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Guimarães já tinha ourives no século XIV. Depois obra espalhou-se pelo país

Na Revista de Guimarães, Manuela Alcântara identifica sete artífices, o segundo maior número no país, atrás de Coimbra. Muito do trabalho dessa classe “popular”, mas “privilegiada”, está no Alentejo.

28 março 2022 > 14:15

A ourivesaria e a joalharia são ofícios ainda vivos na Guimarães do século XXI, projetando um saber fazer que acumula centenas de anos; 700 pelo menos, segundo as referências encontradas pela historiadora Manuela Alcântara, estudiosa do fenómeno há cerca de 20 anos.

Publicado na edição 130 da Revista de Guimarães, apresentada a 19 de fevereiro, o artigo Ourives de Guimarães na centúria de Trezentos identifica os protagonistas e também o estatuto social que detinham, na sequência do enriquecimento a ouro e prata que se verificava nos templos cristãos de então, iniciado no século X – 959, mais propriamente -, com a doação das peças de Mumadona Dias ao mosteiro recém-fundado – a futura Colegiada de Guimarães.

“A ourivesaria de Guimarães é uma das artes mais importantes e mais antigas do território. Há ourives desde o século XIV, ininterruptamente”, salienta, ao Jornal de Guimarães. “Na pandemia, decidi fazer o artigo sobre os mais antigos ourives. Conhecemos mais o seu aspeto social do que as obras. São uma espécie de aristocracia dentro dos mesteres”.

A presença do ouro e da prata nas liturgias intensificou-se com a expansão económica do século XIII; os inventários da Colegiada de Guimarães, elaborados entre 1286 e 1302, identificam peças com origem em Limoges (centro de França) ou em Amalfi (sul de Itália). O primeiro artífice vimaranense identificado na publicação surge mais tarde, em 1322: Pedro Domingues identifica-se como ourives ao testemunhar “a doação de metade de um casal na freguesia de Santo Tirso de Prazins”. Seguem-se João Dias (1343), Francisco Anes, Garcia Rodrigues e Lourenço Domingues (1348), bem como Domingos Martins (1352) e João Domingues Rabudo (antes de 1375).

O trio de 1348 pertencia aos “besteiros do conto”, uma força militar em que os membros “gozavam da honra de cavaleiros”, da “isenção de impostos” e de “jurisdição cível própria”; esses privilégios testemunham uma classe com “estatuto social” e mais influência económica do que política. “Nas procissões do Corpo de Deus, iam logo atrás das autoridades. Mas são da classe popular. Os cargos principais da administração pública não cabiam às pessoas dos mesteres”, esclarece a antiga diretora do Museu de Alberto Sampaio, entre 1993 e 1999.

Entre a documentação conhecida, Guimarães é o segundo centro urbano do país com mais ourives ao longo do século XIV, atrás de Coimbra, com 18, e acima de Lisboa (quatro) e do Porto (um). “O ofício tinha importância nos meios urbanos, e Guimarães é dos centros mais antigos sobre os quais há conhecimento”, acrescenta.

 

Uma marca gravada por Portugal fora. No Alentejo, sobretudo

Como a produção em ouro e em prata acabou por “exceder as necessidades locais e dos lugares próximos”, o cunho de Guimarães (e da Póvoa de Lanhoso) apareceu nas “zonas onde não havia produção própria”. Pelo menos desde o século XV em diante, os ourives itinerantes chegaram a Trás-os-Montes, à Beira Alta, à Beira Baixa e ao Alentejo; em várias das igrejas da Diocese da Évora, há objetos em prata gravados com um “G”, a marca vimaranense, conta Manuela Alcântara.

“A sua projeção ultrapassa os muros da vila”, diz a historiadora, assinalando ainda a emigração de artífices vimaranenses para Lisboa, Santiago de Compostela ou Brasil. No velho burgo encimado pelo castelo medieval, o ofício da parta e do ouro transforma-se durante os séculos XVII, XVIII e XIX, concentrando-se naquela que é hoje a rua da Tulha. “Havia ourives porta sim, porta sim. Os ourives privilegiavam zonas de comércio facilmente acessíveis”, conclui Manuela Alcântara, ao localizar a atividade no limiar da Revolução Industrial.

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