Há um caminho sinuoso a percorrer, para quem quer continuar na ciência
Há mais mulheres doutoradas, mas os lugares de topo nas ciências e engenharias continuam ocupados por homens, sobretudo. A precariedade que afeta a investigação pode ser agravado no caso das mulheres.

“Entre vocês as duas, temos de escolher uma, mas se houvesse um terceiro elemento rapaz era esse que escolhia”. Estas foram as palavras que Celina Leão, agora professora auxiliar na Escola de Engenharia da Universidade do Minho (UMinho), ouviu há cerca de 35 anos, numa entrevista de emprego. Ver mais homens nos campos das engenharias e investigação tem sido a história da ciência pelo que, para Celina Leão, este momento, ainda que lhe tenha marcado, só lhe parecera ser o comum de uma jovem que se estava a iniciar na sua área.
“Na altura não associava as dificuldades que sentia ao facto de ser mulher, pensei que fossem as dificuldades inerentes ao início de uma carreira. Depois comecei a ter alguma consciência e reconheci que o esforço que tive de fazer para me afirmar na profissão foi aumentado por ser mulher. Conseguimos ter sucesso, mas há um maior esforço”, começa por partilhar a professora.
A verdade é que os tempos vão evoluindo e a presença da mulher no terreno da Ciência vai-se tornando mais forte. Um estudo publicado pela Elsevier, em 2021, Género na Arena de Investigação de Portugal: Um Estudo de Caso na Liderança Europeia, apresentou uma análise sobre a paridade de homens e mulheres na área de investigação que comprova o lugar de destaque de Portugal nesse aspeto: os níveis de paridade rondam os 50%.
Apesar do bom desempenho português nesse sentido, existem contrabalanços que ditam que “embora as mulheres constituam mais de 50% dos doutorados, cientistas, engenheiros e profissionais com formação e emprego terciário, elas ainda representam menos de 30% dos chefes de instituições no setor do ensino superior”. E se há mais mulheres doutoradas e se pode rejeitar como causa as baixas qualificações, restam os fatores globais que se alastram por tudo o que seja uma carreira feminina: o peso da maior dedicação à família e casa por parte das mulheres e a maternidade.
Isabel Fernandes, investigadora no Centro de Biologia Molecular e Ambiental (CBMA) da Universidade do Minho, acredita que esses aspetos são o suficiente para “cavar um pequeno fosso” entre a carreira do homem e da mulher. “Uma mulher cientista que é mãe vai ter parte do seu tempo, pelo menos no início, mais dedicado a essa criança do que um cientista que seja pai. Esse tempo é tempo em que o investigador homem consegue canalizar na sua carreira e a investigadora mulher não”, justifica a investigadora.
Apesar dessas resistências não deixa de ser verdade que, ao longo da história, várias mulheres tiveram um papel fundamental em descobertas que contribuíram para o avanço da Ciência, mas os seus nomes foram abafados, e alguns até esquecidos, devido à subvalorização feminina dos tempos. Hoje, tenta-se combater essa discriminação. O projeto HerTech, de professores e alunos da UMinho, dá voz a jovens engenheiras que vão testemunhando momentos em que sentiram sexismo. A partilha acaba por ser um incentivo para as alunas. “Queremos dar o exemplo não pelo lado negativo, mas mostrar que os problemas existem e estão a ser ultrapassados por boas atitudes de coragem. As alunas mostram que, se gostam disto, há que demonstrar e lutar”, comenta Celina Leão, também coordenadora do HerTech.
Na Associação Ibérica de Limnologia, através da Comissão de Género e Ciência, por exemplo, também há iniciativas que vão incutindo a diferença. “São pequenas coisas que tentamos implementar”, refere Isabel Fernandes, membro da organização. Quando organizamos um congresso tentamos criar um balanço mais igualitário entre os plenários; começámos a perceber que eram sempre compostos por homens. Esses pequenos contributos podem, aos pouquinhos, fechar este fosso na ciência. Isso e incentivar os jovens a entrar nas ciências”.
“Os investigadores passam muito tempo a concorrer a uma posição no mercado de trabalho, tempo esse que podia ser usado para investigação” – Isabel Fernandes, investigadora do Centro de Biologia Molecular Ambiental
Apesar da incerteza, apesar da instabilidade, apesar do subfinanciamento que existe nesta arena, para que o país continue a avançar na ciência é preciso puxar pelos jovens para que tenham interesse na investigação. A conjetura tem mudado e a prova está na implementação do “estímulo ao emprego científico” que Portugal lançou em 2015 e que ajudou doutorados a aceder a contratos de trabalho a prazo por oposição às típicas bolsas de pós-doutoramento (que continuam a ser a realidade mais comum).
Além disso, segundo o Governo, em 2020, o país conseguiu um novo máximo histórico de 3.203 milhões de euros como despesa total em atividade de investigação e desenvolvimento, representando 1,6% do PIB, mais 211 milhões de euros face ao ano anterior. Mas essas pequenas vitórias, que podem dar alguma esperança, não fazem cantar hinos de alegria: países como a Alemanha ou Áustria canalizam cerca de 3% do PIB.
“Portugal ainda consegue colocar algum investimento na formação das pessoas, dá bolsas de doutoramento e nesta fase alguns contratos, mas sempre coisas a prazo. Ou seja, investe na formação mas se essas pessoas não conseguem uma posição em Portugal, vão ver-se forçadas a procurá-las noutro sítio. Então, todo o dinheiro, conhecimento e capital humano vai servir apenas para benefício de outros países que não fizeram esse investimento”, explica Isabel Fernandes.
Outro problema que esta limitação de tempo contratual traz a um grupo de investigação é a constante mudança de trabalhadores desse grupo. “É preciso ter um plano a 10 ou 15 anos para conseguir estabelecer o grupo de investigação. Acabar com esta precariedade e conseguir que um grupo sólido de investigadores consiga uma posição permanente vai ser uma mais valia para a investigação em Portugal, tal como aumentar o investimento, porque nos resultados dos últimos concursos, a percentagem de aprovação ronda os 5 e 10 % o que quer dizer que entre milhares de pessoas altamente qualificadas, só 5% conseguiu a posição”.
Um modelo de ciência, como o atual, que tem por base a competitividade de projetos e vínculos laborais precários, tem vindo a desmotivar investigadores, sendo imperativo um maior financiamento. “Os investigadores passam muito tempo a concorrer a uma posição no mercado de trabalho, tempo esse que podia ser usado para investigação”. Já tive vários colegas que desistiram da ciência porque acharam que não vale a pena o esforço e porque nem sempre é fácil conjugar a vida familiar com profissional. A mim é a paixão pela ciência que ainda me move”, termina a investigadora.