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Martins Sarmento, a “emanação do que a sociedade vimaranense tem de melhor”

.“Lugar de referência da preservação da memória”, a instituição comemora 140 anos da Assembleia Fundadora. Ancorada nos “valores humanistas” de Martins Sarmento, atirou Guimarães para a “modernidade”.

21 novembro 2021 > 09:33

Esta história não começa em 1900, mas há uma vinheta que ajuda a contá-la e data desse ano. No limiar entre os séculos XIX e XX o arquiteto portuense José Marques da Silva é convidado a apresentar um projeto para a sede da Sociedade Martins Sarmento nas dependências do antigo convento de S. Domingos, em plena Rua Paio Galvão. Na memória descritiva, o arquiteto resumia “os fins da instituição”: “Arrancar ao passado ensinamento para o futuro”.

Em poucas palavras, José Marques da Silva encapsulava o desígnio da instituição cultural que faz 140 anos neste mês de novembro. Há muitos por vir e um passado para celebrar. “A Sociedade Martins Sarmento (SMS) mantém-se desde o século XIX e vai continuar viva porque é uma emanação do que a sociedade vimaranense tem de melhor”, explica o professor e historiador António Amaro das Neves. Manteve-se “vivo o espírito de que, quando há causas comuns, as pessoas envolvem-se todas”, expande.

Esta é uma grande “causa comum”. E é impossível construir o retábulo definitivo da sociedade filantrópica que aparece no último quartel do século XIX e que nunca pereceu no desígnio de distribuição democrática do conhecimento. Agregadora de uma multiplicidade de saberes, “promotora da instrução popular”, dá os primeiros passos na extinta Assembleia Vimaranense. “A ideia era homenagear o Martins Sarmento, personagem com muitas particularidades” – quando morre, em 1899, o jornal O Progresso recorda alguém que, “tendo uma inteligência rijamente temperada, andava entretanto envolta numa dormente atmosfera de ingenuidade e de romantismo”. Traços de personalidade que ajudam a explicar o porquê de ter rejeitado “tudo o que fosse monumento”. “Não queria homenagem nenhuma nesse sentido”, recorda Amaro das Neves.

 

“Um processo de conquista”

 

Até porque, como lembra Antero Ferreira, um dos diretores da SMS, “tudo é efémero nas celebrações e monumentos”. O caminho foi uma instituição que zelasse pela cultura, servisse a cidade e tivesse interesse público no campo da cultura e da educação. “Agora, 140 anos depois, ainda temos uma instituição viva e atuante na cidade e fora do concelho”, refere o professor e investigador.

“No final do século XIX, pairava a ideia de que Guimarães tinha de se vergar perante os poderes centrais e Martins Sarmento veio mudar isso”, diz Amaro das Neves

Fundada por “gente lúcida”, atenta ao que se fazia noutras latitudes, a SMS é protagonista “de uma grande mudança” que empurra Guimarães “rumo à modernidade”, lembra António Amaro das Neves. A Escola Industrial Francisco de Holanda e o Liceu de Guimarães foram ingredientes importantes num “processo de conquista” que a cidade reclamava – e ambas tiveram o cunho da SMS. Nesta “luta”, António Amaro das Neves sublinha o papel de Avelino da Silva Guimarães – nome central e “homem que se valoriza pouco” –, que “faz um conjunto de textos e estudos de como era o ensino profissional em muitos países lá fora; é o grande mentor da luta de Guimarães pelo seu liceu”. “Uma figura da SMS”, reitera o antigo presidente da direção da instituição, Avelino Guimarães integra o rol de pessoas “lúcidas e cultas que tinha percebido que o país não se desenvolvia se não apostasse na educação e formação das pessoas”.

“No final do século XIX, pairava a ideia de que Guimarães tinha de se vergar perante os poderes centrais e Martins Sarmento veio mudar isso. Lutou-se para que não se tivesse de ajoelhar perante os poderes de Lisboa ou Braga. E estes homens conseguiram com muita força”, salienta António Amaro das Neves.

“Força” essa ancorada em “valores humanistas” resgatados ao homem Martins Sarmento. Estão nele “todas as áreas da sociedade”, lembra Antero Ferreira – arqueologia, história, etnografia, fotografia, jornalismo, política ou literatura fazem parte de um legado “extensíssimo”. “E isso está patente nas exposições, coleções e monumentos que preservamos; na sobrevivência da Revista de Guimarães, talvez a mais antiga revista cientifica publicada em Portugal”, diz. Sem esquecer um dos últimos passos dados pela instituição: a Casa de Sarmento. Uma Unidade Diferenciada da Universidade do Minho criada em 2017 “que surge para preservar e garantir o património que está à guarda da SMS”, explica António Amaro das Neves.

 

Legado preservado num “oásis”

Desta árvore chamada Martins Sarmento e das múltiplas ramificações floresceu um legado intimamente ligado à educação. E, à volta dela, uma evolução “cultural, social e económica”. A instituição é indissociável da aposta e valorização do ensino e de “fazer com que as pessoas se sentissem recompensadas por estudarem”, conta Amaro das Neves. Desde o ensino primário, passando pelo prémio entregue no dia 09 de março que distingue os melhores alunos dos diversos níveis de ensino das escolas vimaranenses, ao esforço pela democratização do saber através da ida de escolas móveis às aldeias ou à abertura de cursos para raparigas, “lá estava a Sociedade Martins Sarmento”.

E a SMS “estava” quase sempre. E é também a essa presença – a instituição é “lugar de referência de preservação da memória”, pontua Antero Ferreira e aos muitos que por lá passaram – o espírito gregário está no caule da instituição – desde o último quartel do século XIX que Guimarães deve reconhecimentos recentes: a classificação do centro histórico como Património Mundial da UNESCO e a Capital Europeia da Cultura 2012. "Foi muito importante. Se Guimarães conseguiu ter uma imagem cultural tão relevante, isso vem muito lá de trás”, refere o historiador António Amaro das Neves.

Este “lá de trás” remonta a 1881. Com “a chama dos fundadores” acesa, o futuro passa, claro, pela “preservação”. Está a ser levada a cabo uma “reformulação do claustro e da zona expositiva do museu” e uma “melhoria” da biblioteca. Dentro das paredes da Martins Sarmento – como em todos os monumentos arqueológicos sob sua alçada – o “ensinamento” para o futuro faz-se com base no passado.

 

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