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Pechinchas, História, Cinema. Há espaço para tudo no antiquário Don Jacinto

A visita ao antiquário Don Jacinto pode transformar-se numa ida ao museu e um jarro velho pode revelar-se um raro artefacto histórico ou, quem sabe, cenário de uma obra da Netflix.

18 janeiro 2022 > 11:36

Na rua Francisco Agra, em Guimarães, salta à vista uma loja onde milhares de peças estão expostas. Umas mais humildes, outras mais extravagantes, umas que contam a vida toda e outras mais misteriosas, cada qual com a sua personalidade. De 10 peças, como quatro candeeiros, uma bicicleta, e outras tralhas que por vezes se tem pena de deitar fora, Jacinto Ribeiro passou a possuir cerca de 100 mil peças no seu antiquário, repartido por duas lojas – a outra está no Centro Comercial Palmeiras – e ainda por dois armazéns.

“Efetivamente nunca tive curso nenhum, foi aquele gosto que tínhamos de entrar numa loja de velharias ou antiguidades. Em 2011, a minha mulher disse-me que era preciso aliviar a garagem, onde tínhamos aquelas coisas que sobram e eu vi este espaço livre en- tão fiz negócio e abri a loja para o meu filho mais novo”.

A partir desse momento, Jacinto Ribeiro foi publicitando a mensagem de que comprava peças antigas para comercializar e desde então que faz negócio. “Até hoje, não houve dia nenhum em que não tivéssemos negócios com gente que nos trazia peças para vender, ou de recheios de casas que fomos convidados para visitar, ou compramos em leilões, ou no estrangeiro peças especiais que achamos que tenham expetativas de venda na nossa loja”, explica o antiquário.

Jacinto Ribeiro explica que em Guimarães há várias pessoas a vender o recheio das casas, mas não necessariamente por dificuldades económicas. “Existem diversas razões para alguém querer vender o recheio seja porque os pais faleceram, ou foram viver para um lar ou foram viver com os filhos, ou por divórcios”, enumera. Quando compra do recheio da casa acontece, não há como selecionar aquilo que se quer, o que leva a que muitas vezes o antiquário nem saiba o valor do que tem em mãos. “Tenho aqui peças que nem sequer sei o que são. A Internet ajuda-nos em tudo. Recorremos à Bonhams e à Christie’s para nos darem informações, mas há peças que ainda não descobrimos o que são”, refere.

 

Da Cultura Maia aos recantos de Guimarães. Tão inusitado, que foi quase vendido por 30 euros, “como se fosse um vaso”

 

Esse obscurantismo pode levar a maus negócios. Felizmente, para Jacinto Ribeiro, soube ao acaso e a tempo que estava para vender uma jarra de grande valor histórico. A peripécia, começa por contar, deu-se porque uma lisboeta casou com um vimaranense, depois divorciou-se e, por isso, ia voltar para Lisboa. Antes de ir, precisava de vender o recheio da casa. “Ficamos com o restinho que os outros compradores não quiseram e tocou-nos esta jarra, porque foi uma peça a que ninguém deu importância. Não deu ela, não dei eu”, começa por contar. “Um dia, recebemos um casal da Costa Rica. Estavam a visitar a nossa loja, de- pois de um evento que a Câmara promoveu, olharam para a peça e já não quiseram ver mais nada. O senhor pediu-me autorização para tirar fotografias. Deixei-lhe tirar as que quisesse. Tira aqui, tira ali, tira acolá. Como a curiosidade era muita, perguntei-lhe porque estava a tirar estas fotos todas. Disse-me que era arqueólogo e que eu tinha uma peça pré-colombiana original”, detalha.

O Don Jacinto confessa que estava a vender aquele artefacto histórico por uns 30 euros “como se fosse um vaso” e naquele momento ficou aliviado pela etiqueta com o preço estar fora do alcance da visão do arqueólogo. “Depois até tirei a etiqueta. Se o arqueólogo tivesse visto a etiqueta, tenho a certeza que não me deixava a peça aqui. Ia ficar com ela. Iria verificar que eu não sabia o que estava a vender.”, afirma. Entre o profissional e o antiquário ficou acordado que, assim que o arqueólogo voltasse para a Costa Rica, lhe enviaria um email depois de confirmar se era realmente original. A confirmação foi dada com imediatismo, “trata-se de uma jarra Maia pré-colombiana em terracota pintada, cultura Maia, do Período Clássico que vai dos anos 250 aos 900 ou seja, isto pode ter qualquer coisa como 1100 anos ou 1500 anos”. Com essa base, Jacinto Ribeiro enviou a peça para as empresas de arte e leilões mais conceituadas do mundo, a Bonhams e Christie´s, “como se não soubéssemos de nada”. “Disseram que não era o momento para pôr à venda, mas que esta era uma peça original. Não há valor para isto. São daquelas peças em que se me perguntarem qual é o valor, irei dizer: “Não sei. Diga-me quanto é que o senhor paga por isto”. Na opinião do antiquário, que já leva 10 anos de experiência, “é sempre difícil ditar um preço porque o profissional, tal como nós, avalia sempre as peças com dois valores: um para comprar e outro para vender. Serão sempre valores diferentes. Não há um preço específico. É um negócio que, havendo uma peça rara, um individuo vai variar o preço”, explica. No entender de Don Jacinto, não há um valor específico. “Um dia julgo que terá um valor, porque é o que costumo dizer, já nasceu o comprador para elas, só não sabemos onde está. Imagine que há um colecionador de vasos pré-colombianos e lhe falta este. O valor que ele dá não existe no mercado. Dizemos sempre que o valor justo é aquele que pedimos por ele. Se eu pedir 1000 euros por uma peça e me derem, é justo. Se ele pedir 3.000 ou 4.000 e vender, é o valor dele”, termina.

 

Não só de montras vivem as antiguidades do Don Jacinto. Há peças expostas em anúncios da SuperBock e até na Netflix

 

As peças deste antiquário não se prendem à loja. Jacinto Ribeiro aluga os seus artigos para eventos, vídeos promocionais e até publicidades, ou séries ou filmes. “A Super Bock quando fez as filmagens na Oliveira, 95% das filmagens era com artigos nossos. Mobiliário, bancos, canecas, candeeiros, coisas que fazem parte de uma tasca ou bar, temos esse tipo de peças. Outra empresa de Lisboa, fez umas filmagens para uma empresa de Londres, também recorreram a nós. Felizmente, já vamos sendo conhecidos quer a nível nacional, como internacional”, partilha.

Tudo é feito sob contrato e na condição das peças voltarem intactas, caso contrário o cliente deve pagar a peça e ficar com ela. A experiência tem corrido bem, pelo que continua a ter empresas como a produtora cinematográfica Netflix a chegar a si. “Fomos contacta-
dos recentemente pela Netflix, que vem cá para fazer umas filmagens e querem muitas peças da nossa casa para cenário, como mobiliário, candeeiros, essas coisas. É sempre um prestígio para nós”, refere.

Tenham um passado do período Clássico, ou apenas umas dezenas de anos, custem cêntimos ou milhares de euros, a verdade é que, seja por este tipo de empréstimos, ou pela curiosidade das pessoas, os artigos vão ganhando uma nova vida e novos olhares. Pelo que não se deixa morrer nenhuma história. Com um sentido de constante adaptação à novidade, Jacinto Ribeiro de- clama o lema deste antiquário: “somos antiquários, mas não somos antiquados.

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