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Um conto de Natal: a quadra em que todos dão mais de si

Durante a quadra natalícia, há qualquer coisa que reluz, traduzindo-se em iniciativas de solidariedade como as dos alunos do Departamento de Eletrónica Industrial da Universidade do Minho e da Refood.

20 dezembro 2021 > 11:00

Um cenário de mesas desarrumadas com peças e ferramentas, brinquedos e cabos, vozes características de desenhos animados a ecoar pela sala e um grupo de jovens empenhados em fazer do Natal de um desconhecido uma alegria maior. Se não se soubesse que se trata do Laboratório de Automação e Robótica da Universidade do Minho, em Azurém, dir-se-ia que era a oficina do Pai Natal.

Já lá vão 15 anos desde que esta pequena oficina começou a ter pulso. Em 2006, o responsável pelo projeto, Fernando Ribeiro, juntamente com um colega cujo filho tinha algumas limitações, uniram-se para colmatar a escassa e cara oferta de brinquedos para crianças com deficiência existente nas grandes superfícies.

A partir daí, o que começou com duas ou três pessoas a adaptar alguns brinquedos, rapidamente foi somando voluntários, do curso de Engenharia Eletrónica e Industrial, e foi crescendo a nível de angariação de brinquedos, conseguindo a ajuda de fábricas e a doação de brinquedos usados. Este ano solicitaram-se brinquedos à Câmara Municipal de Guimarães, ao pelouro da solidariedade, e foram oferecidos outros tantos da parte do Centro Terapêutico SalusLive. “A SalusLive desde há quatro anos que faz a ligação entre o nosso trabalho e quem precisa destes brinquedos. É o centro que dita quem precisa dos brinquedos, além das candidaturas que os interessados podem fazer. Depois de se perceber que brinquedo é mais indicado para o problema da criança, a entrega é feita por nós todos”, explica o responsável pela iniciativa.

No total, este grupo de alunos tem a missão de adaptar 70 brinquedos no prazo de cinco dias. “Pedimos sempre brinquedos eletrónicos, que tenham luz, som ou movimento para poder estimular a criança. Como alguns meninos não têm facilidade de locomoção, alteramos a engrenagem para em vez de andar, mexer os braços. O objetivo é que estas crianças tenham a autonomia de usar os brinquedos sozinhas”, explica o docente.

Num processo que envolve a abertura do brinquedo, placa eletrónica, substituir botões, puxar fios, ligar componentes, instalar interruptor, um brinquedo dura entre meia a uma hora, em média, a ser arranjado,
o que leva a cerca de 20 brinquedos adaptados no final do dia.

 

"Eles não esperam conseguir interagir tanto com um brinquedo e é engraçado ver o espanto e a alegria deles ao perceberem que afinal conseguem”, Tiago Ribeiro, aluno de doutoramento na Escola de Engenharia da Universidade do Minho

 

Os alunos confessam que podem existir algumas dificuldades, especialmente quando se trata de brinquedos usados, porque exige limpeza e por vezes conserto, mas acaba por ser uma boa forma d aprendizagem e até inclusão. Dinis Fernandes que participa nesta ação solidária desde o seu primeiro ano no curso, está atualmente a completar o seu mestrado. “Pela minha experiência, incentivo os caloiros a participar, acabam por ser coisas relativamente simples e os mais velhos acabam por nos ajudar”.

Tiago Ribeiro tem anos suficientes desta experiência para perceber que faz diferença, já que já participa desde o seu terceiro ano, atualmente integrando o doutoramento. “Já estou aqui há uns seis ou sete anos e vale a pena. A experiência de entregar em mãos é muito satisfatória. Porque depois de uma semana aqui a trabalhar, vemos essas crianças a terem um dia mais feliz e um natal mais feliz apenas pelos brinquedos. Eles não esperam conseguir interagir tanto com um brinquedo e é engraçado ver o espanto e a alegria deles ao perceberem que afinal conseguem”, descreve.

É nesse espírito de festa que acaba a cada ano a missão da adaptação de brinquedos para crianças com necessidades especiais. Em 15 anos este grupo de voluntários já arranjou mais de mil brinquedos que foram e vão continuar a ser entregues a escolas e instituições, não só na cidade de Guimarães, como a Braga e Barcelos.

 

"Algo com que os voluntários também se surpreendem sempre é a quantidade de pessoas que, num meio como Guimarães, vive com tantas dificuldades”, Manuela Mendonça, coordenadora da Refood Guimarães

 

Além de brinquedos, Natal remete para uma mesa farta. Todos esperam ver uma mesa com um bom bacalhau, batatas, olhos, vinho, não esquecer o pão de ló e as rabanadas, a aletria e os sonhos. Que nem todos podem ter. É a sonhar com uma maior qualidade de vida de famílias mais carentes e a tentar “minimizar o impacto” que as famílias estão a ter este ano com a crise gerada pela pandemia, numa altura em que os pedidos de ajuda alimentar aumentaram, que a Refood organiza desde 2017 uma angariação de alimentos constante, através da recolha de excedentes alimentares em restaurantes, supermercados ou mercearias.

“As pessoas normalmente ficam muito admirados e a maior surpresa que têm é a quantidade de alimentos que conseguimos resgatar, porque são muitos alimentos que não vão para o lixo devido ao nosso movimento. Algo com que os voluntários também se surpreendem sempre é a quantidade de pessoas que, num meio como Guimarães, vive com tantas dificuldades”, começa por dizer a coordenadora do projeto, Manuela Mendonça.

Em números “muito redondos”, Manuela Mendonça revela que são entregues cerca de 2500 refeições por mês, mais cabazes. Este número, duas vezes por dia, seis vezes por semana, transforma-se no final do ano em 20 000 ou 30 000 refeições. “Há meses em que temos mais beneficiários, há meses em que temos menos, há dias em que há mais comida, há dias em que temos menos. A regra é duas refeições, neste momento distribuídas a cerca de 170 pessoas”, refere a coordenadora.

Assumindo que e complicado para um pai não ter como responder aos pedidos dos filhos, o Natal pede por um maior capricho naquilo que a organização tem para oferecer no cabaz. Por essa razão, há dois meses que os voluntários têm trabalhado semana a semana para recolher alguns brinquedos e alguns dos pressupostos de uma mesa natalícia. No final, “dá-se mais valor ao Natal” ao ver o impacto e o delírio que um simples peluche pode causar na felicidade de uma criança.

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